SÃO PAULO e RIO — Por só ter recebido a versão em inglês do edital de licitação, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) decidiu, na terça-feira, pedir o adiamento da concorrência internacional que vinha sendo preparada pelo governo estadual para a compra de mais 12 trens pela Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística, no valor de R$ 106,9 milhões. A decisão, noticiada nesta quarta-feira pela coluna de Ancelmo Gois, surpreendeu o governo fluminense. Nesta quarta-feira, o secretário estadual de Transportes, Carlos Osorio, afirmou que uma versão em português também fora enviada para o tribunal. Segundo ele, houve alguma falha de comunicação ou problema técnico no envio das informações, que é feito por meio digital.
VIOLAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL
O secretário garantiu que o adiamento da licitação, que aconteceria nesta quarta-feira, foi decidido na semana passada por outro motivo, antes da divulgação do parecer do TCE. Osorio informou que, como não haviam recebido retorno sobre a análise do edital pelo tribunal — uma exigência legal —, decidiram tomar a medida preventivamente. A nova data foi marcada para 12 de maio. De acordo com o secretário, nesta quinta-feira mesmo será feito um contato com o gabinete do conselheiro José Maurício de Lima Nolasco, responsável pelo parecer solicitando a suspensão da concorrência. Osorio garantiu que a versão em português será apresentada nesta quinta-feira para que o TCE possa fazer a análise do processo, mas ressaltou que os termos do edital são os mesmos dos outros dois já realizados para a compra de trens dentro de um contrato com o Banco Mundial (Bird).
— Houve um equívoco que será resolvido. Com certeza, enviamos as duas versões para o TCE, mas, por algum motivo, o texto em português não chegou ao tribunal. Vamos ver o que aconteceu — disse Osorio.
O parecer do Tribunal de Contas do Estado (TCE) afirmou que o processo foi devidamente apreciado pela Coordenadoria de Exame de Editais. No entanto, solicita o adiamento observando que os documentos não haviam sido traduzidos para o português, o que violaria o Artigo 224 do Código Civil. A tradução é necessária, ressaltou o órgão, para que o processo tenha efeito legal no país.
EMPRESAS COBRAM MARGEM DE PREFERÊNCIA
Os termos da licitação para a compra de trens levou a Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) a criticar o governo estadual. As empresas com fábricas no país querem que a Secretaria de Transportes aplique a chamada margem de preferência: um decreto federal de 2012 estabelece, em linhas gerais, que deve ser considerado um valor 20% maior na proposta mais baixa de uma concorrente estrangeira, para proporcionar competitividade ao setor.
Em um manifesto divulgado na terça-feira, a Abifer e a Força Sindical cobram bom senso ao governo estadual, que, de acordo com as entidades, tem dado preferência a trens de empresas chinesas, vencedoras de duas licitações, orçadas em R$ 1,8 bilhão.
A última licitação, que envolveu a compra de 240 carros, em 2013, foi vencida pelas chinesa CNR e CSR e contou com a participação da sul-coreana Hyundai-Rotem e da Alstom e da CAF Brasil, duas multinacionais que têm fábricas no país.
ADIAMENTO NÃO MUDA REGRAS
Em um comunicado ao mercado divulgado na sexta-feira, a Secretaria de Transportes do Rio prorrogou o prazo para a entrega das propostas da licitação para 12 de maio. O adiamento foi entendido pelo presidente da Abifer, Vicente Abate, como um sinal de que o governo fluminense estaria disposto a negociar um novo edital. Mas o secretário de Transportes, Carlos Roberto Osorio, descartou qualquer possibilidade de mudar o documento e aplicar a margem de preferência. Segundo ele, o governo vai manter o padrão usado nas duas licitações vencidas por fábricas chinesas. Osorio também disse que os R$ 200 milhões que serão pagos pelos 12 trens estão no saldo de um contrato de cerca de R$ 1,8 bilhão financiados pelo Banco Mundial.
— Não é uma concorrência nova, mas uma sequência de licitação no mesmo contrato, e que foi gerada pela economia nos outros dois certames — explicou Osorio, lembrando que, em um outro processo para aquisições de trens, “o governo poderá discutir questões de competitividade”.
Para a Abifer, a decisão do governo estadual beneficia a concorrência estrangeira em detrimento da nacional, especialmente num momento de crise. A entidade alega que somente o Rio de Janeiro tem deixado de aplicar a margem de preferência nas licitações para compra de trens. Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraíba, Minas Gerais e Rio Grande do Norte têm, de acordo com a Abifer, realizado licitações com a margem de preferência, e companhias com fábricas no Brasil acabaram vencendo disputas nesses estados.
Em nota, a Abifer, que representa 40 empresas, diz ainda que ‘‘os chineses são campeões em baixar os preços, mas atrasam na entrega’’ (a entidade afirma que, na primeira licitação do governo estadual para a aquisição de trens, em 2009, os veículos teriam chegado 12 meses após o prazo combinado) e que a manutenção e a qualidade dos equipamentos são inferiores aos nacionais.
Osorio negou qualquer atraso e disse que as alegações sobre a qualidade dos trens chineses são próprias de concorrentes que não aceitam perder uma disputa.
fonte: O Globo.